domingo, 5 de julho de 2015

Entrevista com Jorge Vercillo para O Globo

Jorge Vercillo: 'O que é moderno insiste em ser burro. O ritmo é legal, mas a música é muito ruim'


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Vercillo completou 20 anos de carreira no ano passado - Leo Martins / Agência O Globo



RIO — Os 20 anos de carreira, completados no ano passado (e que ainda serão comemorados com um documentário do Canal Brasil), não fizeram com que o cantor e compositor Jorge Vercillo se deitasse sobre os louros da popularidade. No estúdio que montou em sua casa na Barra da Tijuca (onde grava seus LPs desde “DNA”, de 2010), ele segue registrando faixas para o projeto “Extra-físico”, que prevê o lançamento de uma canção inédita por mês (para o rádio e vendas digitais) até o momento em que alguma gravadora se anime a compilá-las num CD. Desde abril, ele já soltou “Talismã sem par”, “O silêncio na favela” e “Permissão”. A próxima será “Cegueira da visão”, canção composta com Patrick Leonard (produtor de Madonna e coautor, com a cantora, de sucessos como “Live to tell”, “Like a prayer” e “Cherish”), sobre “essa ilusão da realidade material-física”, inspirada pelas “quatro ou cinco experiências de projeção astral” que teve.

Artista que já lançou um disco no qual as letras vinham com glossário (“DNA”), e outro, “Como diria Blavatsky” (2011), no qual ecoou as polêmicas ideias da escritora russa Helena Blavatsky, criadora da Teosofia (“Na internet eu fui acusado de ser satanista, meu filho mostra isso pros meus amigos só pra ficar rindo”, diverte-se), Vercillo não se esquiva da exposição, no que ela possa ter de bom ou de ruim.

“Extra-físico”

Não é a reinvenção da roda, é apenas uma tentativa de fomentar uma transformação, uma mudança. Frustra-me muito como artista estar aqui gravando um disco e depois ele ficar engessado num CD. Vai que amanhã aparece uma passeata, desce uma nave especial ou acontece algo que vá me inspirar e o disco já está pronto? Me motiva muito essa situação em que eu posso pegar o violão, compor hoje uma música, gravar amanhã e lançá-la no mês que vem.

Autoprodução

Hoje em dia, com a Leve, que é o meu escritório, a gente está bancando os meus próprios shows. Dizemos em qual data e onde queremos tocar e o contratante entra como parceiro. Tem sido libertador, porque você fica mais dono da sua agenda. Ao mesmo tempo, é assustador, porque pagamos passagem aérea, estadia, palco, luz, som, e vemos como é alta a carga tributária brasileira.

A realidade do rádio

A gente vive uma ditadura financeira em que a própria rádio é responsável por estereotipar artistas como eu, Ana Carolina, Lenine e Vanessa da Mata. Fiz “O silêncio na favela” para falar de política e de sociedade, e as rádios adultas não querem tocá-la. Acham que eu quero cantar só o romantismo.

Novos tempos do jabá

O pagamento por execução em rádio, que o meio chama de jabá, está se transformado em acordos para fazer show. Mas é muito melhor pagar em dinheiro, porque aquilo vai ocupar a sua agenda, vai queimar a praça e a rádio vai ganhar muito mais que o artista.

MPB de qualidade

O padrão está muito baixo. Eu gosto da ideia de você, como artista contemporâneo, estar sempre se renovando, buscando uma linguagem moderna. Só que infelizmente hoje o que é moderno insiste em ser burro. A sonoridade é maravilhosa, o ritmo é bacana, só que a música é muito ruim. Outra coisa que está acontecendo é o brega ser vendido como MPB. É algo que vai ficando muito chato quando você ouve Guinga, Fátima Guedes ou Ed Motta. Conheci muitos artistas populares que são pessoas maravilhosas, viraram meus amigos, até mais do que artistas que eu admiro musicalmente. Mas isso não tem nada ver com o meu gosto artístico.