Por Augusto Gomes, IG - SP, 24/10/2011
Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br/
Até as vaias podem ter um lado bom. Veja o caso de Jorge Vercillo: a
má recepção que ele teve ao fazer uma participação especial num show de
Jorge Mautner no início do ano serviu de inspiração para uma das faixas
de seu novo disco, que acaba de chegar às lojas. A música chama-se
"Faixa de Gaza" e, segundo o cantor, é um recado para os
"fundamentalistas" da música.
"Fui cantar na festa de um amigo, mas disseram que eu era de outra
tribo (...) Quem mandou cruzar fronteiras na Faixa de Gaza, ali na
Lapa?", pergunta Vercillo na música. E continua: "Eu bem sei que traz
sossego se imaginar dono de alguém, mas até Monarco e Velha Guarda,
mesmo Dona Ivone Lara, sabem que o samba está além."
Vercillo conta que nem percebeu as vaias no momento da apresentação.
"Eu subi no palco e não ouvi. Fiz o show normalmente. Percebi que aquele
não era o meu público, mas tudo correu normalmente", lembra. "Uns dias
depois, me avisaram que o ensaísta Francisco Bosco escreveu uma coluna
me defendendo. Só depois disso descobri que era um grupo pequeno, uns
três rapazes alcoolizados, que estava me vaiando", conta.
O caso serviu para o cantor "enfiar o dedo na ferida". "O
público tem todo o direito de gostar ou não gostar de mim. Não foi para
ele que fiz a música", explica. O alvo foi outro. "Fiz para pessoas como
editores de jornal ou diretores de programação de rádio que acham que
têm capacidade para decidir que artista pode ou não pode aparecer", diz.
"São pessoas que curtem cinco ou seis bandas inglesas e acham que
conhecem música", continua. São, segundo Vercillo, os "fundamentalistas
do rock". E não só do rock: do samba também. "Há radicais que acreditam
que só o gênero que eles gostam tem algum valor. É um pensamento
preconceituoso", afirma. "Ainda bem que a música brasileira é muito
maior do que essas mentes cartesianas acreditam."
"Faixa de Gaza" é uma das faixas do novo disco de Vercillo,
"Como Diria Blavatsky". O título é inspirado em Helena Blavatsky,
filósofa russa que fundou a moderna teosofia. O termo vem de duas
palavras gregas: "Theos" ("Deus") e "Sophos" ("Sabedoria"). "A teosofia é
uma forma de se aprofundar na espiritualidade, mas fora dos dogmas de
uma religião organizada", explica o cantor.
Seria então um disco conceitual? De acordo com Vercillo, sim e não.
"Involuntariamente, eu fiz um álbum temático. A teosofia leva a uma
espécie de busca pessoal e isso, obviamente, influenciou o meu
trabalho", explica. Segundo ele, em algumas canções isso pode ser
percebido mais claramente - caso de "Acendeu" e "Rio Delírio", por
exemplo. Em outras, a influência é mais sutil.
"Como Diria Blavatsky" também marca o retorno do cantor à
independência. Depois de uma longa temporada na EMI e uma curta passagem
pela Sony Music, Vercillo lança este disco por seu próprio selo. "As
grandes gravadoras não têm mais estrutura para cuidar de 30, 40
artistas. Sinto que, com meu próprio selo, posso trabalhar melhor",
justifica.
Não é a primeira vez que Vercillo é independente. "Meu terceiro disco
("Leve", de 2000) foi independente. E foi o meu disco da virada, que me
tornou um artista conhecido. Tanto que depois foi relançado pela EMI",
lembra. "Por isso mesmo, estar independente para mim traz uma memória
muito feliz".
A primeira música de trabalho do novo álbum é "Sensível Demais".
Trata-se de uma composição antiga de Vercillo, mas que ele nunca havia
gravado. "Ela ficou famosa no final dos anos 1990, numa versão de
Christian e Ralf", explica. "Sinceramente, eu nem me lembrava mais dessa
música. Ela estava apagada da minha memória."
A canção foi relembrada no ano passado, quando Vercillo promovia seu
álbum anterior em rádios do interior de São Paulo. "Nos intervalos das
entrevistas que eu dava, os radialistas tocavam 'Que Nem Maré',
'Monalisa' e essa do Christian e Ralf", lembra. "Eu pensava: 'por que
estão tocando essa música?' Depois lembrei que era minha."
Por que gravá-la só agora? "É uma canção mais simples. E agora eu
tenho a maturidade de entender que posso ser emocional e popular em
alguns momentos. Acho que antes eu tinha vergonha disso", explica. "Além
disso, se até a Maria Bethânia já cantou essa música, por que eu não
posso gravar também?"
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